Primavera das Lagartas
Não queria mais intercalar respirações fugindo da luz, não queria mais o despertar da vontade, só queria encontrar a si mesma numa varandinha cheia de ar nos pulmões e satisfação na ponta dos dedos.
Cansou de pegar em facas para defender sozinha uma plantação de cinzas. Decidiu plantar em si tudo que mataria para regar no outro. É aquela coisa de terra fértil, só há veneno por aí e não há outro lugar mais fértil que sua própria existência disposta a ser mais que uma alma perdida em paixões de mentirinha e enganos mal elaborados.
Deu ódio, mas aquele ódio que te faz afastar o que te faz mal, sabe? Deu ódio de ser vulnerável, deu ódio de estar disposta a se ferir para curar o desejo, deu ódio de facilitar o caminho de quem não tem pés para sua estrada, deu ódio, deu em todas as flores, ódio de não cortar antes.
É aquele sentir que desperta a semente da lucidez, que faz colher satisfação e benignidade de espelho. Quando estiver pronta, vai plantar em si, de novo, agora só o que colheu da poda, da distância e do jejum de olhos - que venha a primavera das lagartas.